Por José Nassif
Se a democracia já não era um organismo simples, a chegada das redes sociais a transformou em um quebra-cabeça de múltiplas peças, algumas cortadas de forma torta. Hoje, cada like, cada compartilhamento, cada comentário inflamado funciona como um termômetro do que pensamos — ou do que queremos parecer pensar.
As redes sociais democratizaram a informação. Por um lado, ótimo: qualquer cidadão pode questionar autoridades, denunciar injustiças e participar do debate público. Por outro, o efeito colateral é brutal: a velocidade da desinformação supera, muitas vezes, a capacidade da razão de acompanhar. Notícias falsas se propagam mais rápido que a verdade, e o público, saturado, passa a acreditar no que melhor se encaixa na sua visão pré-formada do mundo.
No Brasil, isso ficou evidente durante as eleições de 2022. Plataformas como WhatsApp e Telegram se tornaram canais decisivos para a disseminação de conteúdo político, nem sempre verdadeiro. Campanhas de desinformação circulavam em grupos fechados, listas de transmissão e canais secretos, influenciando eleitores de forma silenciosa, mas potente. O barulho digital frequentemente substituiu a discussão profunda, e o resultado foi um país onde a polarização não é apenas política, mas cultural, emocional e, acima de tudo, performática.
Ironia maior: quanto mais pensamos estar conectados, mais nos afastamos do diálogo real. O efeito das bolhas digitais é tão potente que a convivência com opiniões contrárias se tornou uma espécie de exercício olímpico de paciência — ou de ignorância deliberada. Políticos, empresas e influenciadores aprenderam a jogar o jogo da percepção, muitas vezes à custa da realidade concreta.
Mas há uma lição crucial: redes sociais não são vilãs, e nem salvadoras. Elas apenas amplificam o que já existia: paixões, preconceitos e ideais. A responsabilidade não é da plataforma, mas de quem nela se movimenta. Cada usuário é, ao mesmo tempo, emissor e receptor, catalisador e vítima daquilo que consome.
No fim, a democracia não se adapta automaticamente às telas. Ela exige reflexão, ética e discernimento. Entre hashtags virais, mensagens de WhatsApp e canais do Telegram, é preciso lembrar que a política verdadeira ainda acontece fora do feed — nas decisões do Estado, nos debates ponderados e, acima de tudo, na capacidade de ouvir e compreender quem pensa diferente.

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