Por Sofia Andrade
O debate sobre direitos humanos no Brasil ganhou contornos complexos nos últimos anos. Historicamente atacados por setores da extrema direita como símbolo de “privilégio”, os direitos foram, durante o governo Bolsonaro, associados à proteção de criminosos — uma distorção que alimentou visões punitivistas e seletivas de justiça na sociedade.
A ironia política, porém, se revelou inevitável: quando a defesa de direitos se tornou necessária para proteger aliados em processos judiciais perante o STF, o mesmo discurso transformou-se em súplica de cidadania. A retórica da “ditadura da toga” converteu direitos humanos de alvo de escárnio em escudo de proteção.
Relatório norte-americano e repercussão diplomática
Em agosto de 2025, o Departamento de Estado dos EUA publicou seu relatório anual sobre direitos humanos, apontando deterioração da situação no Brasil em 2024.
O documento criticou duramente ações do Judiciário brasileiro, sobretudo do ministro Alexandre de Moraes, apontando medidas “amplas e desproporcionais” contra liberdade de expressão e circulação de informações. Entre os episódios citados, destaque para bloqueios de plataformas sociais e suspensão de perfis que, embora identificados como disseminadores de desinformação, foram classificados por Washington como censura política.
O impacto internacional foi imediato. Setores ligados a Bolsonaro celebraram a crítica como sinal de absolvição internacional, enquanto o governo Lula reagiu firmemente, destacando diferenças históricas e de contexto entre Brasil e EUA.
A disputa de narrativas
O presidente Lula afirmou que, se eventos semelhantes aos de 6 de janeiro em Washington tivessem ocorrido no Brasil, os responsáveis estariam sendo julgados. A declaração intensificou a crise diplomática, gerando troca de acusações entre Brasília e Washington e acendendo alertas sobre uma das maiores tensões bilaterais recentes.
Organizações como Human Rights Watch questionaram o relatório norte-americano, apontando viés político: críticas foram suavizadas para aliados de Trump e ampliadas para governos em atrito, como o brasileiro. O episódio evidencia o uso dos direitos humanos como instrumento de política externa.
O peso do passado e os desafios do presente
Historicamente, os EUA aplicaram os direitos humanos de forma seletiva. Nos anos 1970 e 1980, denunciavam abusos de regimes adversários, enquanto silenciavam diante de ditaduras amigas na América Latina. Hoje, a lógica persiste: direitos humanos podem ser manipulados para fins geopolíticos, mais do que como princípios universais.
No Brasil, o dilema é duplo:
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Há questões internas urgentes, como violência policial contra negros e periferias, invasões de terras indígenas e ações do Judiciário que em alguns casos avançam sobre limites constitucionais.
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Há a necessidade de defender soberania nacional diante de relatórios enviesados que refletem interesses externos mais do que compromissos universais com dignidade humana.
Conclusão: a moeda de troca dos direitos humanos
No fim, os direitos humanos continuam sendo tratados como moeda de troca: desprezados quando atrapalham, exaltados quando convenientes e manipulados para retórica política.
O Brasil precisa reconhecer falhas internas sem ceder ao jogo geopolítico externo. O mundo, por sua vez, deve lembrar que direitos humanos não são bandeira de partido nem ferramenta de sanção seletiva.
Se cada lado continuar instrumentalizando o conceito conforme conveniência, perde-se mais do que imagem governamental ou credibilidade institucional: perde-se a ideia mesma de direitos universais, reduzidos a slogans de ocasião.
E a pergunta final permanece inevitável: quem defenderá os direitos humanos dos próprios direitos humanos?

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