Por Ricardo Almeida – Analista Internacional
A grandiosa parada militar realizada na Praça Tiananmen, em Pequim, neste 6 de setembro, foi mais do que uma demonstração de poderio bélico: foi um recado direto ao Ocidente. O encontro de Xi Jinping, Vladimir Putin e Kim Jong-un num mesmo palanque simboliza o fortalecimento de uma aliança tácita, marcada pela convergência de interesses geopolíticos e pelo desejo explícito de contestar a ordem internacional liderada pelos Estados Unidos e consolidada desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A Coreografia do Poder
O espetáculo exibiu não apenas armas, mas uma narrativa cuidadosamente planejada. Mísseis hipersônicos de alcance intercontinental, drones submarinos de última geração, tanques modernizados e unidades de elite desfilaram sob o olhar atento de três líderes que, apesar de suas diferenças, compartilham um objetivo em comum: redefinir o equilíbrio de poder global.
A presença de Kim Jong-un, ainda que simbólica, reforça a ideia de que regimes isolados encontram abrigo nesse eixo. A Coreia do Norte pode não ter o peso econômico da China nem a projeção militar global da Rússia, mas sua posição estratégica na península coreana continua a ser uma carta de barganha contra os EUA e seus aliados no Pacífico.
Mais do que ostentação bélica, a parada revelou a coreografia de um novo projeto de poder: a construção de um bloco autoritário disposto a desafiar os pilares do sistema internacional vigente.
O Recado a Washington e à OTAN
A mensagem foi clara: há um novo equilíbrio de forças emergindo. A ausência de qualquer menção a diálogo ou cooperação com Washington mostra o endurecimento de uma postura que busca minar a influência americana na Ásia, no Leste Europeu e no Oriente Médio.
Desde a Guerra da Coreia, passando pelo Vietnã e chegando às recentes intervenções no Afeganistão e no Iraque, os EUA têm sido protagonistas em conflitos que, direta ou indiretamente, alimentaram ressentimentos globais. Para Pequim e Moscou, essa é a oportunidade de apresentar-se como alternativa àquilo que consideram o “imperialismo ocidental”.
Na Europa, o alerta soou alto. A OTAN, que já enfrenta o desafio de sustentar a Ucrânia contra a ofensiva russa, agora observa com preocupação o fortalecimento de uma aliança que pode ampliar a instabilidade global. A sombra de Taiwan, nesse contexto, aparece como o próximo grande teste.
Contexto Histórico e Riscos de Escalada
Não é a primeira vez que o mundo assiste à formação de blocos rivais. Durante a Guerra Fria, o Pacto de Varsóvia representava a resposta soviética à OTAN. A diferença é que, no século XXI, a interdependência econômica torna os movimentos mais arriscados.
A China depende de mercados ocidentais para sustentar seu crescimento, enquanto a Rússia precisa do comércio de energia para manter sua economia. Ainda assim, ambos veem vantagens em se apoiar mutuamente, sobretudo diante das sanções e da crescente pressão diplomática.
O risco evidente é de que o mundo caminhe para uma nova corrida armamentista. Com tecnologias militares cada vez mais avançadas — mísseis hipersônicos, armas cibernéticas e drones autônomos —, o equilíbrio da dissuasão se torna mais instável. Diferentemente da Guerra Fria, quando havia apenas dois polos claros, hoje assistimos a uma multiplicidade de atores regionais capazes de acender faíscas de conflito.
Movimentos Paralelos no Tabuleiro Global
Enquanto Xi, Putin e Kim exibem poder militar, os EUA reforçam alianças no Indo-Pacífico, como o AUKUS (acordo com Austrália e Reino Unido) e a revitalização do QUAD (com Japão e Índia). O Ocidente aposta em cercar a China estrategicamente, mas esse movimento pode aprofundar ainda mais a sensação de cerco e acelerar a cooperação sino-russa.
No Oriente Médio, a aproximação entre Moscou e Teerã também adiciona uma camada de complexidade. O fornecimento de drones iranianos para a Rússia na guerra da Ucrânia mostra como alianças regionais estão cada vez mais interconectadas em uma teia global de confrontos indiretos.
Impactos Geopolíticos
A Europa observa com inquietação, os EUA enfrentam desgaste interno e países emergentes avaliam cuidadosamente de que lado devem se posicionar. Na América Latina, por exemplo, o debate sobre neutralidade ou alinhamento ganha força, revelando que o impacto da disputa sino-americana já se projeta para além da Ásia.
Mais do que nunca, o mundo parece dividido entre democracias liberais em crise de legitimidade e regimes autoritários que buscam capitalizar a insatisfação com o Ocidente. O discurso de “ordem alternativa” pode seduzir países que se sentem marginalizados pelas instituições internacionais dominadas pelos EUA e pela União Europeia.
Conclusão: O Novo Eixo em Construção
A parada militar em Pequim não foi apenas uma demonstração de força: foi um manifesto político. Xi, Putin e Kim mostraram ao mundo que existe, sim, um projeto em gestação para reordenar a balança de poder internacional.
Se esse projeto terá consistência ou se será corroído por contradições internas — crises econômicas, isolamento diplomático e tensões sociais — ainda é uma incógnita. O que está claro é que o Ocidente enfrenta agora um adversário mais articulado, que combina poder militar, discurso político e uma narrativa anti-hegemônica com apelo crescente.
Entramos em uma nova fase da política global, em que a mobilização autoritária desafia abertamente o Ocidente. Resta saber se o resultado será um equilíbrio instável ou um confronto aberto que pode redefinir o século XXI.

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