Carmen Lúcia, o fio de ferro do Supremo e a incógnita Zanin



Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil

Por Ana Beatriz

O julgamento da trama golpista avança no Supremo Tribunal Federal com a entrada em cena de uma das vozes mais firmes e experimentadas da Corte: a ministra Cármen Lúcia. Seu voto tem potencial para firmar maioria e definir os rumos do processo contra Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de tentar subverter o Estado Democrático de Direito. Mais que uma decisão técnica, trata-se de um gesto político-jurídico que resgata a memória recente do país e fixa parâmetros para o futuro.


O retrospecto: não foi uma "festinha de domingo"

Desde março, quando o STF aceitou a denúncia da PGR, Cármen Lúcia foi clara: os eventos de 8 de janeiro não foram obra do acaso nem mera turbulência de rua. “Não foi uma festinha de domingo”, disse à época. Para ela, houve planejamento, tentativa de execução e vontade de destruir o edifício democrático.

Esse olhar histórico é essencial. O Brasil já viveu outros experimentos autoritários, mas poucas vezes com tamanha ousadia: um ex-presidente convocando apoiadores, militares da alta cúpula envolvidos, generais e ajudantes de ordens transformados em operadores de um golpe. O julgamento, portanto, não é apenas sobre crimes; é sobre a cicatriz de 1964 que ainda pulsa na política nacional.


O voto esperado de Cármen Lúcia

Quem acompanha sua trajetória sabe que a ministra não costuma se render a pressões externas. Com perfil técnico e olhar firme para a defesa da institucionalidade, deve condenar Bolsonaro e os réus centrais pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Mas seu voto não deve ser uma cópia do relator Alexandre de Moraes. Cármen Lúcia tem estilo próprio: busca diferenciação de responsabilidades, evita generalizações e mantém a cautela processual. É provável que faça distinções entre os níveis de envolvimento — Mauro Cid e Braga Netto devem receber tratamento mais severo, enquanto outros réus podem ter penas moduladas ou absolvições parciais.

Sua marca será condenar sem cair no maximalismo: firme contra os líderes da empreitada, mas zelosa para que cada imputação se sustente em provas concretas.


A incógnita Cristiano Zanin

Se o voto de Cármen Lúcia tende a formar maioria pela condenação, o de Cristiano Zanin ainda é uma incógnita. Indicado por Lula em 2023, o ministro carrega o rótulo de garantista — alguém que privilegia o devido processo legal, examina minuciosamente a validade de provas e não hesita em apontar falhas de tipicidade penal.

Zanin dificilmente seguirá a rota ampla de Moraes, mas tampouco deve abraçar o voto quase absolutório de Luiz Fux. Seu estilo é intermediário: condenar onde há prova robusta, refrear onde há lacunas. Bolsonaro pode ser condenado por crimes centrais, mas talvez não por todos; alguns réus menores podem escapar de parte das imputações.

No xadrez do julgamento, Zanin tende a se posicionar como o voto da ponderação — suficiente para dar legitimidade à condenação, mas sem abrir mão de críticas jurídicas à denúncia e ao processo.


Entre o ferro e a névoa

O Supremo se vê, novamente, diante de sua própria história. Carmen Lúcia, com a memória de 1964 no horizonte, representa o fio de ferro que sustenta a democracia contra o abalo golpista. Zanin, por sua vez, simboliza a névoa da incerteza: cauteloso, analítico, difícil de prever até o último minuto.

Se ambos se alinharem, a Corte formará maioria sólida para condenar Bolsonaro e seu núcleo duro. Se divergirem, abre-se espaço para fissuras — e para embates futuros em embargos e recursos.

O julgamento não é apenas sobre réus; é sobre a definição do Brasil pós-golpe. Um país que decide se a democracia será um compromisso inegociável ou uma promessa frágil, sempre à mercê de aventureiros.

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