Por José Nassif
O Brasil atravessa dias de tragédia farsesca. O julgamento de Bolsonaro, ora encenado como drama moral, ora como ópera bufa, escancara um país partido: de um lado, os que ainda depositam fé nas instituições; do outro, os que habitam universos paralelos de WhatsApp e Telegram. Lunáticos juram lealdade ao mito como se ele fosse a reencarnação de um imperador perdido, ignorando que tanques enferrujados não vencem o STF — e milagres não caem do céu. Aqui, a fantasia vale mais que a Constituição, e o mito é sagrado, mesmo que o país esteja em chamas.
Enquanto isso, o crime organizado ocupa o vácuo ético e político. PCC e milícias atuam como lobistas de favores obscuros. Brasília já não sabe se governa ou negocia com traficantes. A política, que um dia tentou se vender como virtuosa, agora flerta abertamente com o que antes era tabu: a máquina pública e o crime se misturam, trocando proteção por votos, cargos e blindagem legal. Um deputado é presidente; um miliciano, vereador; e o eleitor assiste como quem vê novela das oito — torce, grita, se emociona, mas no fim, tudo termina igual.
Do outro lado do continente, Donald Trump — o imperador laranja da Casa Branca — encena seu próprio espetáculo. Acusa Maduro de chefiar cartéis, envia navios à costa venezuelana e distribui sanções como panfletos de moralidade. Sem provas, sem investigação séria — apenas a convicção de que o mundo deve se curvar à “verdade americana”. Enquanto isso, nos EUA, ele sustenta sua própria autocracia disfarçada de democracia, manipula tribunais, politiza agências e transforma eleições em reality show. Hipocrisia em HD, com transmissão global: o país da liberdade vigiando o mundo enquanto sequestra a própria democracia.
No Brasil, a conta chega com atraso — mas chega. Sanções indiretas, tarifas sufocantes, instabilidade que alimenta o medo. E uma população exausta, marionete de líderes que pregam moralidade enquanto negociam com o crime. Fé e bala convivem lado a lado: pastores pregam, milicianos cobram, políticos lavam, e o eleitor assiste tudo como quem come pipoca. Um casamento perfeito entre poder, impunidade e teatralidade.
A realidade, porém, é brutal. PCC, milícias e cartéis não respeitam Constituição, moral ou protocolo. São os protagonistas de um espetáculo que Brasília insiste em fingir que não existe. Os lunáticos, entre uma oração e outra, seguem esperando que o mito volte num cavalo branco, capa da Marvel e discursos de TikTok. Talvez não percebam que o cavalo já foi vendido em leilão judicial — e a capa, feita de avestruz, virou peça de colecionador.
E a América Latina observa o desastre. Trump se fantasia de xerife moral, Bolsonaro de paladino das milícias, e a região assiste ao circo com ironia e temor. Venezuela, Colômbia, Paraguai: todos percebem que a guerra contra o tráfico e a corrupção no Brasil é uma peça em que o crime sempre leva o troféu.
O país do futuro continua refém do passado. A liberdade, tão exaltada em slogans, segue sequestrada. A moralidade virou artigo de luxo. E os lunáticos, fiéis ao mito, continuam aplaudindo fantasmas — enquanto o país real sangra sob a barbárie que eles insistem em ignorar.
No fim, o Brasil permanece uma tragédia cômica: o palco está armado, os atores são os mesmos, e o público ainda acredita que, desta vez, o roteiro vai mudar.

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