Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Por José Nassif
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de incitar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, transcende o calendário político. Mais do que um processo jurídico, é um espelho da democracia brasileira diante de seus próprios limites.
Bolsonaro e o desafio à democracia
O episódio de 8 de janeiro mostrou que o país enfrenta riscos estruturais: tentativas de golpe, invasão das sedes dos Três Poderes e propagação de desinformação organizada. Bolsonaro é apontado pela Procuradoria-Geral da República como líder e principal articulador dessa ofensiva.
O julgamento vai além do indivíduo. É a oportunidade de testar a capacidade do Estado de resistir a pressões populistas sem comprometer princípios democráticos. Cada decisão do STF será observada não só pelo Brasil, mas pelo mundo.
A visão internacional
A revista The Economist destacou recentemente o Brasil como exemplo de maturidade democrática: “Ao contrário de outras nações que flertaram com o autoritarismo, o Brasil está enfrentando seus fantasmas de frente.”
O editorial britânico ressalta que enfrentar o populismo exige coragem institucional e vigilância constante. Mas há um aviso implícito: proteger a democracia não significa aceitar atalhos que concentrem poder ou enfraqueçam o equilíbrio entre os poderes.
O New York Times observou o protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, figura central na contenção do bolsonarismo, e questiona se sua atuação representa defesa legítima da Constituição ou risco de um Estado judicializado.
Alexandre de Moraes: símbolo e controvérsia
Moraes tornou-se símbolo de uma nova era jurídica. Suas decisões monocráticas, muitas vezes tomadas em caráter de urgência, são vistas por setores progressistas como escudos contra desinformação e extremismo.
Ao mesmo tempo, críticos alertam para o risco de concentração excessiva de poder no Judiciário, que poderia desequilibrar a separação entre os poderes. O dilema é claro: agir com firmeza ou preservar formas tradicionais de controle institucional?
Política interna e o folclore do perdão
Enquanto o STF analisa provas e depoimentos, o cenário político segue surreal. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou que concederia indulto a Bolsonaro se eleito presidente. A fala expõe a banalização do perdão presidencial, transformado em moeda de troca eleitoral.
O Congresso, por sua vez, tenta manter normalidade, com debates sobre orçamento e ajustes fiscais. Mas as discussões econômicas são frequentemente engolidas pela crise institucional e pela retórica populista. Slogans inflamados — “liberdade”, “patriotismo”, “Deus acima de todos” — ocupam o espaço onde deveriam estar análises concretas sobre inflação, desemprego e desigualdade.
Impactos econômicos e percepção internacional
A instabilidade política já cobra seu preço: o mercado reage com nervosismo, o dólar oscila e investidores internacionais observam o Brasil com cautela. Sanções indiretas, tarifas comerciais e retração de investimentos evidenciam o custo de uma democracia que flerta com o abismo institucional.
A imagem do país como liderança regional se desgasta. A América Latina, que já enfrentou caudilhos e messias tropicais, acompanha o julgamento com cautela, reconhecendo que o Brasil atravessa uma crise que combina política, economia e comunicação.
Mito, delírio e sociedade polarizada
O julgamento revela a fratura ideológica do Brasil: de um lado, cidadãos que defendem transparência e instituições; do outro, uma base que mistura fé, nacionalismo e negacionismo, pronta para ignorar evidências e transformar críticas em perseguição.
Para muitos, Bolsonaro transcende a política: é símbolo, mártir e produto de marketing. A lógica de seus seguidores é simples e implacável: se errou, foi por amor à pátria; se mentiu, foi para proteger a família; se tentou golpe, foi ordem divina.
O Brasil como palco
No fim, o julgamento é mais um ato de uma peça que se arrasta anos. Os personagens são conhecidos: herói incompreendido, vilão togado, público dividido entre aplausos e vaias. A democracia, senhora cansada, tenta se manter de pé enquanto é empurrada por narrativas, memes e discursos inflamados.
O país do futuro continua refém do passado. A liberdade, exaltada em slogans, segue sequestrada por interesses pessoais. A moralidade tornou-se artigo de luxo, disponível apenas para quem pode pagar com votos ou silêncio. E os lunáticos, fiéis ao mito, continuam aplaudindo fantasmas enquanto o Brasil real sangra sob a barbárie que insistem em ignorar.

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