Por José Nassif
O Brasil, país onde a realidade frequentemente ultrapassa a ficção, assiste a mais um capítulo de sua tragicomédia política. O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus pelo que se chama de tentativa de golpe de Estado em 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) não economizou palavras: Bolsonaro foi o “líder e principal articulador” de uma ofensiva contra a democracia — maestro desafinado de um concerto onde tanques, orações e fake news tentaram compor a trilha sonora do autoritarismo.
Justiça ou espetáculo?
O julgamento promete ser mais que jurídico: será simbólico. O STF, pressionado por uma sociedade polarizada e por uma base bolsonarista que ainda acredita em cavaleiros messiânicos e conspirações comunistas, terá de decidir se aplica a lei com firmeza ou se cede à tentação do show. A corte, que já enfrentou ataques diretos durante os anos de chumbo digital, agora encara o desafio de reafirmar sua autoridade sem parecer vingativa — equilibrando-se sobre o fio da navalha do teatrinho político.
O ministro Alexandre de Moraes determinou monitoramento da área externa da residência de Bolsonaro. Medida preventiva, dizem. Mas há quem veja nisso sinal de que o ex-presidente ensaia sua saída de cena — não por aposentadoria política, mas por fuga estratégica. Afinal, para quem já tentou transformar a democracia em reality show, escapar pela porta dos fundos é só mais um episódio do roteiro surreal.
Política e perdão: o folclore nacional
Enquanto o STF se debruça sobre provas, áudios e depoimentos, o cenário político se revela ainda mais surreal. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou que, se eleito presidente, concederia indulto a Bolsonaro como primeiro ato. A frase, dita com naturalidade, escancara a banalização do perdão presidencial — que deixou de ser instrumento jurídico para virar moeda de troca eleitoral. A impunidade no Brasil não é exceção: é tradição, antiga e bem decorada, como tapete persa no gabinete.
O Congresso, por sua vez, tenta manter a aparência de normalidade. Recebeu o projeto de orçamento para 2026, com promessas de ajuste fiscal, corte de gastos e aumento de investimentos sociais. Mas a pauta econômica é engolida pela crise institucional. Debates sobre inflação, desemprego e desigualdade são interrompidos por discursos inflamados sobre “liberdade”, “patriotismo” e “Deus acima de todos” — slogans que, curiosamente, não aparecem nas planilhas do Tesouro.
Quem paga a conta?
A instabilidade política já cobra seu preço. O mercado reage com nervosismo, o dólar oscila como humor de influencer, e investidores internacionais observam o Brasil com a mesma confiança que se tem ao comprar carro usado sem garantia. Sanções indiretas, tarifas sufocantes, retração de investimentos: sintomas claros de um país que flerta com o abismo institucional e se encanta com o próprio desastre.
A imagem do Brasil como liderança regional se desfaz como maquiagem em dia de calor. A América Latina, que já viu de tudo — de caudilhos a messias tropicais — observa agora o julgamento de um ex-presidente que tentou transformar o Palácio do Planalto em bunker ideológico.
Entre mito e delírio coletivo
O julgamento escancara a fratura ideológica do país. De um lado, cidadãos que defendem legalidade, transparência e fortalecimento das instituições. Do outro, uma base que mistura fé, nacionalismo, ressentimento e negacionismo — pronta para relativizar crimes e transformar qualquer crítica em perseguição.
Bolsonaro, para muitos, não é apenas ex-presidente. É símbolo, profecia, produto de marketing. Seus seguidores não o veem como cidadão comum, mas como mártir de uma guerra cultural que só existe nos grupos de Telegram. Se errou, foi por amor à pátria; se mentiu, foi para proteger a família; se tentou golpe, Deus mandou.
O Brasil como palco
No fim, o julgamento é apenas mais um ato de uma peça que se arrasta há anos. Os personagens são os mesmos: herói incompreendido, vilão togado, público dividido entre aplausos e vaias. A democracia, senhora cansada, tenta se manter de pé enquanto é empurrada por narrativas, memes e discursos inflamados.
O país do futuro continua refém do passado. A liberdade, exaltada em slogans, segue sequestrada por interesses pessoais. A moralidade virou artigo de luxo — disponível apenas para quem pode pagar com silêncio, blindagem ou votos. E os lunáticos, fiéis ao mito, continuam aplaudindo fantasmas enquanto o Brasil real sangra sob a barbárie que insistem em ignorar.

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