Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Por Lara Monteiro
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), colocou na pauta desta terça-feira (16) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021 — apelidada por críticos de “PEC da Blindagem”. O objetivo é cristalino: dificultar, ou praticamente inviabilizar, qualquer ação penal contra deputados e senadores, elevando a proteção parlamentar acima da responsabilidade que deveriam ter perante a população. Em outras palavras, o Parlamento se protege, e o cidadão… bem, esse que se vire.
Na prática, a PEC estabelece que denúncias criminais só podem avançar com autorização da própria Casa, em votação secreta da maioria absoluta. Além disso, dirigentes de partidos com assento no Congresso ganham foro privilegiado no STF. É a versão legislativa de “ninguém me pega”: a lei existe, mas você só chega nela se o político deixar.
Segundo Hugo Motta, a proposta “fortalece a atividade parlamentar” e protege congressistas de suposta “perseguição política”. O relator Cláudio Cajado (PP-BA) garante que a PEC não cria licença para “maus feitos”, mas um escudo protetor para o trabalho legislativo. Traduzindo do juridiquês: políticos continuam livres para errar, mas terão camadas de proteção antes que a justiça bata à porta.
Histórico e contexto
A PEC não é exatamente novidade. Até 2001, a Constituição exigia autorização da Casa para abertura de processos contra parlamentares. A Emenda Constitucional 35/2001 retirou essa exigência, permitindo que deputados e senadores fossem processados normalmente. Agora, o Congresso quer retroceder — e ainda mais blindado. Oficialmente, a justificativa é proteger a função parlamentar; na prática, muitos veem como autoproteção.
O debate é inflamado. Aliados de Jair Bolsonaro defendem a medida, alegando que o STF extrapola na fiscalização de parlamentares acusados de participar do movimento que questionou, sem provas, as eleições de 2022. Por outro lado, oposição e especialistas em transparência apontam a PEC como retrocesso grave, capaz de enfraquecer a accountability, reduzir a transparência e minar a confiança da população nas instituições democráticas.
Marina Atoji, da Transparência Brasil, resume com clareza: trata-se de uma legislação em causa própria, que aumenta o risco de impunidade e permite que crimes prescrevam antes mesmo de qualquer investigação avançar. A PEC da Blindagem protege parlamentares, mas deixa a sociedade sem meios de responsabilizá-los.
Possíveis consequências
Se aprovada, a PEC pode criar um cenário preocupante: parlamentares envolvidos em irregularidades ou corrupção podem escapar de investigações ou ter processos paralisados indefinidamente. A medida envia uma mensagem simbólica perigosa: quem ocupa o Parlamento está, de certa forma, acima da lei. Isso mina a credibilidade do Legislativo e reforça a percepção de privilégios, em que blindagem institucional vale mais que democracia.
O impacto político é evidente. A medida aumenta a tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário e polariza a opinião pública. Em um momento em que a confiança nas instituições brasileiras já está abalada, iniciativas como esta reforçam a sensação de impunidade e alimentam o descrédito da política.
Reflexão final
Mais do que um debate jurídico, a PEC da Blindagem é reflexo da política brasileira contemporânea: espetáculo, barganha e autoproteção muitas vezes falam mais alto do que princípios. É o Parlamento jogando com as regras do jogo a seu favor — enquanto o cidadão assiste, perplexo, às manobras que blindam quem deveria servir à população, não a si mesmo.
Se aprovada, será mais um capítulo da história de como proteção pessoal pode prevalecer sobre justiça, e de como a política às vezes funciona como um circo, onde o espetáculo da blindagem vale mais que a democracia. A população observa indignada e aprende que, no Brasil político, responsabilidade e poder quase nunca caminham juntos.

Comentários
Postar um comentário